Dialogar com o vento
Quando recolho as armas da luta do dia para sobreviver.
Sem recusar minha companhia.
A inspiração não vem.
A página em branco
Clama ao tinteiro por palavras,
Palavras são milagres,
E milagres são pouco confiáveis.
Ponderar é uma velha mania,
Mera teimosia de contrariar o instinto,
Polo distinto da Razão sob o turbilhão de ideias.
À porta da emoção penso no amor,
Seu divã vazio na sala está.
Por que falar do amor, ente fugidio?
Sim, há um vazio no peito.
A saudade é companheira diária.
A canção embala os sonhos noturnos.
Mas, a quem amar?
A lágrima escrita molha a antiga página em branco
E esta triste mancha a palavra.
Somete a ausência do amor
Desconcentra a lógica e mistifica o sentimento.
Olho ao meu redor e penso quanto tempo mais?
Dou graças ao que tantos chamam por distintos nomes Força, Energia, Sopro, Luz, Pai, Criador, Javé, Jeová, Alah, Oxalá, Divino Feminino, mas que aqui e agora prefiro chamar de Deus. Por todo aprendizado, pela construção diária de mim, pelos dias de inverno em que o sofrimento foi o meu balizador, pelos dias primaveris em que o sorriso surgiu espontâneo.
Dou graças aos meus muitos amores.
Dou graças por ter sido criança e por hoje ser mulher.
Dou graças à solidão de ser eu.
Dou graças pela insistência contra a fadiga do físico e da alma que fraqueja, quando as forças parecem esgotadas. Bendita seja a teimosia de tentar algo mais!
Dou graças por sentir com mansidão, por celebrar com brilho nos olhos, por saber chorar e exibir a tristeza. Pois nisso não há grandeza ou humilhação. Alegria e tristeza são estados momentâneos, ocupantes do espaço que lhes permito, com o valor que eu lhes concedo em minha vida.
Dou graças por ter conhecido amorosidade nas pessoas, por não ter cedido diante da ira.
Dou graças ao rememorar as pedras, as flores principalmente as rosas, os sins e os nãos escutados.
Permito-me agraciar Narciso sem escravizar-me pelo lago. Busco a elasticidade do bambu que apenas enverga. Neste ponto da jornada onde a poeira do passado é levada pelo vento e a neblina do futuro nega a visão do que será, percebo o corte, no tão bem trabalhado véu de Maia. E o que isto significa? Não sei dizer, nem penso que devo saber, o viver pode vir em pequenas doses, não é possível determiná-lo.
A luz deste lindo dia celebra com a natureza o cumprimento de mais um ciclo, o fim e o início de uma etapa - a minha primavera. E por isso lhe sorrio parabenizando-me pelo símbolo deste número e porque só eu sei o quanto caminhei, só eu sei tudo que pude ver e sentir.
Dou graças à vida e ao indizível viver.
Rosangela Figueredo.
03 de junho de 2011.
Ah! Os dias de outono chegaram.
A estação convida a sobriedade
Da fala e das cores.
O mágico momento do despertar para si,
É um retiro na caverna dos quereres.
Não, não são tristes os dias pouco ensolarados,
Recheados com gotículas de chuva,
Tampouco solitários.
São alimentados pelo olhar atento
Na fala mansa de quem aceitou fazer companhia a si
E estar bem, mesmo sozinho.
Livros vinho e a janela da alma ou da rua,
Ternura, paciência e disposição.
Acordar preguiçosamente para tantos afazeres
Escolhidos para dar sentido.
Dormir pesadamente após o longo dia
De responsabilidades.
Ser gratificado com as folhas secas varridas pelo vento,
O vento que toca também o seu corpo,
Na dança das nuvens pesadas de emoção
Banhar-se na chuva fina ou na torrente do céu
Ah! É outono outra vez.
Recordar com saudade,
Sorri para a vida com a certeza que ela te pertence.
Sim, é outono.
E daqui do meu aconchego escrevo para celebrar.
O percurso segue outra bússola,
Enquanto a felicidade d’alma resignifica o porquê de tão perto
A beleza desabrochar ao lado da paz, sem abalos.
A larva na veia é a vida em brasa,
Quando da memória não somos mais escravos
Do futuro já não somos pedintes
Do hoje não somos mais que viventes.
A tranquilidade dos acontecimentos aguça
Sentidos emoções.
Ser livre é isso, é ser autêntico.
E o que há de especial?
Especial: porque deveria ser?
Ser especial é aprisionar-se as conveniências
Dilacerando o sentido da vida.
E ser livre é um estado voluntário de solidão.