sábado, 28 de maio de 2011

Andanças

Antônio Pietro era um homem maduro. Marcado por experiências difíceis desde a sua infância. E se for como dizem por aí, a história de cada um o constrói, é apropriado pensá-lo assim. Já trabalhara de quase tudo na vida e depois de muita dificuldade estava numa empresa que pagava além de seu salário suas horas extras. O que de algum modo já era muito para custear a educação da sua criança. Sol de sua vida como ele costumava dizer. Após alguns anos de vida promíscua dividia sua vida e casa com uma bela mulher capaz de fazê-lo nutrir sentimentos controversos, bem como sua conduta com essa dona.
Ela era meiga, companheira e o amava desesperadamente, de tal forma que parecia incomodá-lo. A falta de amor na infância parece ter afetado algo naquele homem que não queria ser amado ainda que discursasse diferente. Dessa maneira Antônio Pietro conseguia enlouquecer sua companheira, pois como o amor que o envolvia parecia aprisioná-lo, não sabia explicar como, ele estava sempre investindo como bom homem latino em outras mulheres. Era quase uma competição interna. Ele defendia-se com argumentos até certo ponto válidos, porém ininteligíveis para o coração de uma mulher que o venerava. Ele foi criança que conheceu o desamor, a fome, a rejeição. Cresceu e permaneceu no anonimato, era um vagabundo em potencial. Mas as ruas ensinam, dizia ele, e o pequeno Antônio Pietro aprendeu muita coisa. Era esperto e inteligente. Tinha a capacidade de cativar os que estavam ao seu redor, e mesmo de manipulá-los tinha literalmente o dom da palavra. Com apoio de sua devota mulher conseguiu terminar os estudos, o degrau para o seu atual emprego. O mais curioso nesse homem é a usa inconstância, fazendo-o movimentar-se na vida com uma sede do deserto. Dispondo-se a experimentar a vida em todas as suas possibilidades com todas as suas potencialidades. Sempre fiel a ele mesmo; deixando para trás seu rastro de dor e de saudade nas pessoas cativadas. Antônio Pietro trazia um vazio consigo, junto com um desprezo pelas pessoas que o acompanhava em suas conquistas, ele jamais conseguiu amar, apesar de ter sido amado inúmeras vezes de maneiras diversas. Havia nele um medo infantil do abandono. Ainda assim, conseguiu colecionar personagens femininas em sua trajetória, loiras, negras e pardas. Suas personalidades, idades, profissões variavam também, isto porque a necessidade de Antônio Pietro era está ligado ao universo feminino. Dividia-se entre elas, porém a nenhuma amava e sozinho percorria o seu caminho. Conseguiu o respeito dos amigos, camaradas de conversas regadas a muito vinho e literatura. Até o final, velho e cansado se vangloriava por ter tanto a contar aos mais novos, que de modo geral era os seus quase discípulos. Algumas tardes ele sentava-se para esperar a despedida do sol, e com essa paisagem lembrava as suas aventuras. Ao sol se pôr voltava a sua realidade na velha cadeira do asilo.

2009.

Leitura e Distração

A casa era grande, mas havia algo dela por todo canto. Naquela tarde de uma temperatura amena como seu humor, entregou-se a si. Entorpecida em seus pensamentos, também recordou.
Era uma comunicação velada: a pele, o cheiro, o hálito! Sempre fora mulher de entrega, no entanto fora aquela noite especial. Sempre contida, um toque de aspereza era perceptível no trato com o sexo oposto. Apenas era o muro que a protegia do medo do universo desconhecido, e ela bem o sabia. Poucos homens a atraíram ao longo de sua jornada. Até o presente instante, em que se despia não só das roupas, mas de sua armadura contra o mundo. Quando se permitiu sustentar olho no olho contando de si, traduzindo o outro. Num abraço acariciou, deslizou a mão pelo peito, tocou-lhe o pescoço entregando-se ao beijo- momento de supressão do tempo. Uma fêmea acordava da hibernação. Ela o guiou saboreando cada carícia. Explorou imaginação e descoberta. Os dois corpos disseram-se tudo sem palavras, entre suspiros e gemidos. Com o aperto das mãos. Ele foi fundo. Ela estremeceu. Juntos ofegantes desabaram de um diálogo quente, vivo. Por um momento ainda na exaustão do ato ela tentou pensar sobre o acontecido, todavia só era possível sentir. E agora no sofá da grande sala ao relembrar seu corpo reagiu. Ela sentiu-se mulher, retomando a leitura.

10/03/2010

Amor à moda antiga

A noite estrelada trazia ventos revigorantes. Ele fez uma declaração de amor ao modo dos românticos. Os românticos são adeptos do amor idealizado, com pitadas de sofrimento na espera para o tão sonhado enlace com aquele que o completará, sim a ele, metade de alguma coisa que permanece inacabada. Ao ouvi-lo encheu-se de ternura, beijou-o acomodando-se em seu leito, encerrando no peito a posse dessa criatura doadora de paz.



Adormeceu, ou melhor, fingiu dormir ao vê-lo preparar-se para sair do quarto, cenário do amor eterno até então. O amante devoto saiu para uma caminhada noturna, sem saber que era observado. Encontrou-se com uma dona nativa do vilarejo, trocou algumas palavras inaudíveis à distância que Janaína se encontrava, contudo, ela podia perceber a delicadeza do toque do seu terno amante acariciando a dona, beijando-a com animalidade. Foi difícil ver a tal cena, mas manteve-se firme. E após a troca de carícias o moço romântico seguiu em sua caminhada.


Desolada pensou: faz parte do instinto dele, certamente foi ela, a vadia, que o deixou sem opção. Prosseguiu assim, seguindo seu romântico par que naquela altura sussurrava ao telefone com uma mulher, sim ela sabia ter outra fêmea do outro lado da linha, já que o ouviu repetir as mesmas palavras ditas ao seu ouvido numa declaração eterna para adormecer, sentindo-se uma deusa entre as mulheres. Naquele momento a ingênua Janaína já sabia o que fazer por conhecer bem o sentimento que a possuía ali, sendo testemunha dos diversos “amores” do seu par romântico.


Janaína descobriu-se vulnerável ao sentir-se mais uma na multidão, seu altar era compartilhado. Fora educada para ser mãe, esposa dedicada ao seu homem, esse ser controverso que a acompanharia pelo resto de seus dias. Desconhecia outro significado de ser mulher, mas jurou para si não perder a sua presa, sua redenção, seu troféu para a sociedade. Afinal, as mulheres de sua família sempre se casavam, e constituíam sua própria família. Tomou sua decisão ali enquanto o ouvia declarar-se carinhosamente para a sua rival.


Vendo o moço dirigir-se ao alojamento do seu quarto, onde a havia deixado dormindo como a mulher mais amada do mundo, adiantou-se num atalho e com habilidade própria do feminino deitou-se. Pouco depois, o amante adentra ao quarto, se aproxima de Janaína começando um breve jogo do amor da carne. Ela se entrega, enquanto pensa ter que prendê-lo junto a si. Algo a corrói além do toque, em seu âmago algo a separa daquele tão amado homem. O ciúme não declarado, a sufoca para os dias vindouros. Ela se entrega, ama com paixão deixando-o ébrio. Sobre os lençóis ele lhe pertencia, um misto do corpo e um modo de ser alma. O sono foi profundo.


À luz do novo dia ele deparou-se com o fardo de sua jornada, e a mulher mau amada, vítima de si lhe cobraria dia a dia sua felicidade. Após aquela noite o amor cedeu ao mal humor mantendo-se frio todas as noites.

20/07/2010