domingo, 3 de junho de 2012

Reencontro


Olho para trás a fim de contemplar toda construção erguida com cada pedra lançada. Serena constato que permaneci de pé.

No término de mais um ciclo, avalio meu aprendizado, feliz agradeço ao tempo numa oração sem palavras. Eu sou a oração de doação para a vida, meu olhar sorriso e paz lhes pertence.

Continuo a dar graças ao que tantos chamam por distintos nomes Força, Energia, Sopro, Luz, Pai, Criador, Javé, Jeová, Alah, Oxalá, Divino Feminino, mas que aqui e agora chamo de Deus. Por todo aprendizado, pela construção diária de mim, pelos dias de inverno em que o sofrimento foi o meu balizador, pelos dias primaveris em que o sorriso surgiu espontâneo.

Dou graças aos meus muitos amores.
Dou graças por ter sido criança e por hoje ser mulher.
Dou graças à solidão e a delícia de ser eu.
Dou graças pela insistência contra a fadiga do físico e da alma que fraqueja, quando as forças parecem esgotadas. Bendita seja a teimosia de tentar algo mais!
Dou graças por sentir com mansidão, por celebrar com brilho nos olhos, por saber chorar e exibir a tristeza. Pois nisso não há grandeza ou humilhação. Alegria e tristeza são estados momentâneos, ocupantes do espaço que lhes permito, com o valor que eu lhes concedo em minha vida.
Dou graças por ter conhecido amorosidade nas pessoas, por não ter cedido diante da ira.
Dou graças ao rememorar as pedras, as flores principalmente as rosas, os sins e os nãos escutados.

Permito-me agraciar Narciso sem escravizar-me pelo lago. Busco a elasticidade do bambu que apenas enverga. Neste ponto da jornada onde a poeira do passado é levada pelo vento e a neblina do futuro nega a visão do que será, percebo o corte, no tão bem trabalhado véu de Maia. E o que isto significa? Não sei dizer, nem penso que devo saber, o viver pode vir em pequenas doses, não é possível determiná-lo.

A luz deste lindo dia celebra com a natureza o cumprimento de mais um ciclo, o fim e o início de uma etapa - a minha primavera. E por isso lhe sorrio parabenizando-me pelo símbolo deste número e porque só eu sei o quanto caminhei, só eu sei tudo que pude ver e sentir.

Dou graças à vida e ao indizível viver.

Rosangela Figueredo Dias
03 de junho de 2012.

domingo, 25 de março de 2012

A Tarde


O tempo se despiu de mim
A tarde banhou-me com raios dourados
Arrepiou a pele já bronzeada pelos ancestrais.
Oscilam os meus quereres
A brisa envolve-me mansamente
Ah! mais um gole de paz
Ao telefone ouvi: ainda te quero.
E eu?
Amei-me ainda mais.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Fio Solto


A displicência de um movimento puxou o fio do véu de maia. Permitiu assim que ficassem amostra alguns mistérios da vida.

Ainda assustado o sonho tagarelava com a consciência. Ela lhe dizia sobre a simplicidade da vida, do labor necessário para comer, vestir, amar; falava das lágrimas de alegria e de sofrimento, do nascer e do morrer.

E o sonho apenas a escutava, sentindo as cores de suas cenas diluírem-se nas palavras grafadas em cada fala da consciência.

Ele era doce e assim julgava tudo ao seu redor. Seu brilho nascia da inocência. Sua ignorância era o seu maior tesouro.

Após um longo silêncio disse ele: - De que vale a procura insana? -Por que nos fazem acreditar que tudo está distante, quer dizer, além. Além da vida, além do horizonte, além do proferido, do visto, do esperado? Sou eu a essência de Morfeu. Resignifico o arco-íris no céu sob o olhar descuidado dos sobreviventes. Sou eu que alimento a esperança nos corações.

A consciência respondeu compassiva:
- Sim, doce amigo é por isso mesmo que você não sabe, por estar sempre distante em seu próprio mundo. A sua credulidade inibe... Quase choca a realidade. Você leva a tranquilidade a bater na porta do coração desanimado. Esse alento revigora até os destroçados. Como viveriam os mortais sem ti?

Um dia na transição dos segundos acontece um torpor. Sem esperar num ato do cotidiano as coisas mostram-se como são. A reflexão te abraça forçando o olhar sobre você mesmo. O sagrado vira profano e então você duvida e lamenta. Amores são finitos, amigos se perdem na estrada, as boas ações esperam retribuição, nem tudo tem um propósito e o acaso existe. A praticidade das escolhas faz parte da lógica da vida, seu instinto te guia até a padaria da esquina, és um animal perdido que perambula pela vida como tantos outros. E você sonho existe para fazê-los crer que cada dia vale a pena paga, que o esforço não é em vão. Por isso você foi nomeado guia dentro da escuridão porque ninguém sabe o que há depois. E quiçá seja essa a fórmula deste jogo, o desconhecimento após cada ato. Não, não lastime nobre amigo. Ninguém te prometeu nada, nem disseram ser fácil seguir em frente. O acordado foi que mantivesse o ânimo independente dos reveses.

O sonho cansado já nem escutava a consciência. Rabiscava nuvens enchendo de luz as almas cansadas com um antídoto de fórmula boba retirado do seu jardim. O sonho gostava de cores, flores, do ar fresco, de tempo. Em seu laboratório manipulava sob sigilo a fórmula do que impulsionava e alimentava a semente da vida, o sonho criou o amor. Portanto, jamais poderia entender a consciência, pois a sua realidade era outra. 

segunda-feira, 19 de março de 2012

Diálogo


Ela não cansava de reler o e-mail recebido e escutar a música do primeiro encontro.
Por que mesmo no século XXI as mulheres ainda precisam de um homem pra chamar de seu?
Ela estudou, viajou por diversos países, falava outros idiomas parecia bem resolvida. Até confidenciar a sua melhor amiga seu desejo profundo. A amiga passou a percebê-la de modo diferente após aquela conversa. O brilho da outra diminuiu sob seus olhos. Não, não poderia ser a velha Isa de outrora. Será que a cultura havia conseguido seu intento, como fizera com tantas outras?
O que Isa poderia ter revelado para estarrecer a tal ponto sua amiga? Ah, nunca antes quis tanto ser invisível!


domingo, 11 de março de 2012

Faces


A solidão é um poço fundo
Impregnado no folclore das mentes
Soltas pelo mundo.

Não é sinônimo de estar sozinho
Nem castigo para “os estranhos no ninho”.

A solidão é a nascente do aprendizado
Da nudez das palavras
Dos que silenciam cansados dos filhos de Caim.

General de marchas, saídas e voltas
A solidão é o tear de si com fios nobres
Sob o sol escaldante do deserto.
É ela, a solidão, o meio e o fim
Peregrinando ao sabor de quem olha ao espelho.

Mais da Flor

Os opostos intercalam-se


O ontem o hoje e o amanhã são entidades antigas


Após a angustia a paz semeia na mesma terra ressecada pelo


desânimo.


Minha boca clama por mais


Meus olhos clamam por mais

Meus pés clamam por mais


Mais..... mais...


Mais deste mistério abundante da vida


escasso de nosso entendimento.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Vícios de Mulher


Foi por acaso que abri aquele livro de contos. Sempre gostei de ler, ainda mais quando uma mulher se dispunha a escrever. Sim, ainda carrego algo do feminismo comigo, mas isso não vem ao caso, quase todo mundo fere o politicamente correto.
A escritora parecia ser uma mulher madura bonita e inteligente, esse último adjetivo é redundante porque seus livros eram ótimos. Aquele exemplar pesando sobre minhas mãos abriu na página de um conto moderno. Era o relato da separação de um casal, intitulado Cupido, que como tantos outros faliu. Esse especificamente antes de estabelecer-se como um romance. Suponho ter sido um breve flerte. O curso do rio é oposto entre os sexos, é curioso como mulheres namoram e homens divertem-se. Ela relatava a qualidade do homem em questão, seu Romeu e em paralelo exaltava suas qualidades. Uma mulher ferida suscita o que há de mais selvagem em si, sei que muitos irão dizer que estou sendo radical, pois a nossa cultura protege e relativiza os atos masculinos. Mas, o caso é a permissividade. Mulheres doam-se, esperam e perdoam, estatisticamente, muito mais que os homens, contudo cobram caro depois. Cobram atenção, palavras, gestos e declarações de amor.
A autora detinha atributos que supostamente a separavam deste grupo de mulheres cobradoras. Todavia, ela cobrava de um modo singular em seu conto este que mencionava sua tribo literária, ou seja, todos do seu convívio participavam do seu desdém pelo homem em questão. Apesar de todo seu esforço para a liberdade feminina, era cínica e desejava fazê-lo de objeto de modo semelhante ao trato masculino com o sexo oposto da época.  Ela citava o péssimo desempenho sexual, a falta de viço para vida, a tristeza personificada naquele exemplar curioso da espécie, ainda que fosse um intelectual.
Sempre gostei de homens sensíveis. Há algo perturbador na cena em que o homem sentado num banco ler calmamente com ar despreocupado. Exercem um fascínio sobre minha libido as palavras exatas dentro de qualquer período e conexões de pensamentos do homem intelectual. Os nomes dos autores são doces e atraentes aos meus ouvidos.
Perdoem-me o devaneio. Voltemos a nossa autora, também militante da causa feminista ainda que bem distante do modo polido de Jane Austin. Essa brilhante mente que mesmo não saindo de sua pequena e pacata cidade abarcou o sentimento contido na mulher desbravadora da cultura.
Ela, a autora, usou de suas letras para enxovalhar a recusa do homem em lhe pertencer. Atribuiu a sua jornada sagrada o adestramento do outro. Talvez o aprendizado consista em saber passar pelas experiências apenas passando como Krishnamurti sugeriu um dia, sem condenações ou acúmulo de culpa.
Pergunto-me o que a autora pretendia mostrar e para quem quando resolveu tratar pejorativamente esse recorte de sua estória. Mágoa, frieza, medo? Qual a sua real motivação?
A tarde caía, a biblioteca escura expulsava seus visitantes. Guardei o livro junto com questionamentos. Fui à cafeteria da esquina e enquanto aguardava meu pedido contemplei a rotina dos passantes. A xícara floral continha o líquido negro enigmático. Os desenhos formados no café quente disseram muito mais sobre tudo isso.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Passos Silenciosos


Uma nova jornada desponta
Multifacetada nas inquietações do cotidiano,
Fazendo ruir as certezas lapidadas
Outrora defendidas com a existência.
Dias e noites sucedem-se num fluido de esperança,
A raiz desta esperança é o medo da névoa no caminho.
Tanto foi colhido, acolhido e recolhido com posse
Para findar-se sem delongas.
Sempre se espera um talvez no último pensamento,
Na palavra derradeira.
O presente convida com sinais de luz
Desfazendo a escuridão melancólica do passado
Sem permitir a ansiedade de como será o futuro.
Uma vez mais de soslaio olho
E pela primeira vez, sigo sem despedidas.