quinta-feira, 30 de abril de 2009


O espelho

O espelho reflete uma imagem embaçada
Um estranho?
Não pode ser, é ilusão do cansaço talvez.
Acontece quando se teima em ter confirmações
Da própria aparência.
Previamente aconselhada pela mídia
Mesmo que não se saiba por que ou para quê.
“Há especialistas para quase tudo que se imagina atualmente.”
Mas, não é a aparência o que choca nesse encontro.
O embate matinal é singular,
Pois o olho examina
E ilumina grandes falhas não preenchidas.
Sim, o olho inquire o mais fundo,
Algo desconcertante mostrar-se sem os retoques da maquiagem.
Como esconder-se de si?
Suportar o que és?
Tamanha exposição causa danos
Evidencia a solidão, o medo, o fracasso.
Atuar com o esmero teatral é o fim último de cada dia,
Todo entretenimento possível está presente nessa peça
Para evitar o fatídico encontro consigo.
Os shoppings, shows, cinemas, teatros, livros, internet
Corroboram para que o pão e o circo estejam sempre presentes
Na comoção da euforia capaz de afastar a imagem do espelho.
Com qual finalidade pensar nesse assunto tão escabroso?
Ele não traz fama tampouco dinheiro.
Quando não for mais possível suportar a imagem refletida
Quebra-se o espelho
E compra-se uma imagem que o defina apropriadamente.
Possa ser esse um víeis para tolerar o próprio silêncio,
Uma maneira de aplacar o chip de obediência.
Quem sabe até não és capaz de pensar sozinho?
Com alguns ajustes podem buscar esse tema num chat de bato papo
E não refletir sobre o assunto, mas recorrer a outras opiniões especializadas.

terça-feira, 28 de abril de 2009


Ser

O que é uma pessoa?
Quem pode afirmar
Se um ser biológico ou pensante?
Que se estraga, mas deixa semente.
Um sujeito um indivíduo
Que perambula no ilimitado.
Irrepleto ou completo
De dores, de amores
Dos que conduzem e
Dos que se deixam conduzir.
Poço borbulhante
De emoções, razão, sentimentos.
Que torna tateável a possibilidade
Individual imerso na multidão.
Entre a efervescência dos dias,
Dias iguais aos do passado
Semelhantes aos do futuro,
Dias fervilhantes do agora
Mutáveis sob o jugo
Profundo confuso do que anda.
Viajante faminto dos grãos de terra
Por nada serem a mais
Que segundos, do nascer ao pôr do sol.
Deleitosa criatura,
Misteriosa em passos firmes ou vacilantes
Para herdar o compasso da existência.

domingo, 12 de abril de 2009


Mania

Reclamar é uma cega mania
Realçada na procura por defeitos.
Ou seriam sutis imperfeições,
Capazes de incitar indagações perenes,
Fincadas na primitiva desconfiança
Das tribulações diárias?
Falar é elementar para espalhar o pólen dessa dúvida.
Escutar estórias a ermo, astúcia silenciosa,
Na descoberta de um possível semelhante.
Nesses dias estéreis sem pôr do sol
Sob a luz onde tudo se dá,
Com a batalha travada não há esclarecimentos.
Os peregrinos se perdem em oásis fictícios,
Na compaixão de si ou quem sabe do outro?
Visto como igual na insensatez,
Solto na pluralidade cumprindo sua trilha.
Deter-ser em algo seguro é paradoxal.
Protestos não constroem, pouco modifica,
Mas as reclamações, essas permanecem.

sexta-feira, 10 de abril de 2009


Felicidade

Mais um feriado. A alegria artificial se espalha pelas rodovias obstruídas por pessoas entediadas com a própria existência. Ávidas por um novo cenário para a encenação de suas vidas vazias. Vão ansiosas para afrouxar as amarras de suas máscaras. Camuflam o desespero e fingem felicidade. A felicidade pode ser instantânea. Pode vir em lata, em caixinha talvez seja melhor, pois o material é reciclável. E está na moda preocupar-se com o planeta.
Há procissões escondendo rancores, ritos religiosos repetidos em nome da tradição mecânica. A fé já não nos parece tão límpida e inodora, mas sufocada como única ponte de saída da ilha do sofrimento. Há cultos dionisíacos numa inversão de deuses, onde todos parecem felizes, sem jejum em ato de permissividade.
O comércio também explicita sua felicidade. Coroada com a compulsão do ter por ter, para mostrar, ostentar, seduzir. Continua a sugar até a última gota de razão de suas vítimas vendendo símbolos. Mesmo em tempo difícil, de crise econômica!
Reclamando e vendendo- vendendo e reclamando - um mantra silencioso.
A besta insaciável está de prontidão. A todos muitas especiarias da época, é preciso gastar a gratificação do seu árduo suor. Haverá ainda pedras para serem carregadas. Seu suor será mais uma vez gratificado. Benditas sejam essas pedras! As compras precisam continuar. Não é preciso pensar nos acontecimentos, não agora. A felicidade chegou, mas em breve partirá. Na segunda- feira tudo volta ao normal. Vidas acinzentadas retornam ao cotidiano, mergulham em desespero particular, até o próximo feriado.

sábado, 4 de abril de 2009


Uma escolha

Estou farta de tantas perguntas,
Cansei!
Vou me diluir no mundo,
Soprar as cinzas do que fui.
Não quero estagnar a vontade de viver,
Por nada ou por qualquer pessoa.
A vastidão flerta com os meus desejos,
Então me rendo domada pelo prazer.
Amar, num universo infinito de maneiras de amar, me apraz.
Não me interesso em saber o que é o amor
E o quão sagrado é.
Quem precisa dessas definições?
Existe a cartilha do viver?
Vislumbrar o crepúsculo renova-me.
Neruda amante devoto das letras e das mulheres
Entende o que estou a dizer.
Sorrir ao dizer: sim a uma flor ou a um livro
Não faz diferença.
Seguir onde os olhos se perdem
Em estradas de penumbra, ou
Ouvir a palavra derradeira do inimigo.
É esta a tênue linha da sensatez e da austeridade.
Mas que isso importa?
De que me serve a batalha travada na mente?
Equilíbrio,
Lucidez,
De quê? Para quem?