Foi por acaso que abri aquele livro de
contos. Sempre gostei de ler, ainda mais quando uma mulher se dispunha a
escrever. Sim, ainda carrego algo do feminismo comigo, mas isso não vem ao
caso, quase todo mundo fere o politicamente correto.
A escritora parecia ser uma mulher
madura bonita e inteligente, esse último adjetivo é redundante porque seus
livros eram ótimos. Aquele exemplar pesando sobre minhas mãos abriu na página
de um conto moderno. Era o relato da separação de um casal, intitulado Cupido,
que como tantos outros faliu. Esse especificamente antes de estabelecer-se como
um romance. Suponho ter sido um breve flerte. O curso do rio é oposto entre os
sexos, é curioso como mulheres namoram e homens divertem-se. Ela relatava a
qualidade do homem em questão, seu Romeu e em paralelo exaltava suas
qualidades. Uma mulher ferida suscita o que há de mais selvagem em si, sei que
muitos irão dizer que estou sendo radical, pois a nossa cultura protege e
relativiza os atos masculinos. Mas, o caso é a permissividade. Mulheres
doam-se, esperam e perdoam, estatisticamente, muito mais que os homens, contudo
cobram caro depois. Cobram atenção, palavras, gestos e declarações de amor.
A autora detinha atributos
que supostamente a separavam deste grupo de mulheres cobradoras. Todavia, ela
cobrava de um modo singular em seu conto este que mencionava sua tribo literária, ou seja, todos do seu convívio participavam do seu desdém pelo homem
em questão. Apesar
de todo seu esforço para a liberdade feminina, era cínica e desejava fazê-lo de
objeto de modo semelhante ao trato masculino com o sexo oposto da época. Ela citava o péssimo desempenho sexual, a
falta de viço para vida, a tristeza personificada naquele exemplar curioso da
espécie, ainda que fosse um intelectual.
Sempre gostei de homens sensíveis. Há
algo perturbador na cena em que o homem sentado num banco ler calmamente com ar
despreocupado. Exercem um fascínio sobre minha libido as palavras exatas dentro
de qualquer período e conexões de pensamentos do homem intelectual. Os nomes
dos autores são doces e atraentes aos meus ouvidos.
Perdoem-me o devaneio. Voltemos a
nossa autora, também militante da causa feminista ainda que bem distante do
modo polido de Jane Austin. Essa brilhante mente que mesmo não saindo de sua
pequena e pacata cidade abarcou o sentimento contido na mulher desbravadora da
cultura.
Ela, a autora, usou de suas letras
para enxovalhar a recusa do homem em lhe pertencer. Atribuiu a sua jornada
sagrada o adestramento do outro. Talvez o aprendizado consista em saber passar
pelas experiências apenas passando como Krishnamurti sugeriu um dia, sem
condenações ou acúmulo de culpa.
Pergunto-me o que a autora pretendia
mostrar e para quem quando resolveu tratar pejorativamente esse recorte de sua
estória. Mágoa, frieza, medo? Qual a sua real motivação?
A tarde caía, a biblioteca escura
expulsava seus visitantes. Guardei o livro junto com questionamentos. Fui à
cafeteria da esquina e enquanto aguardava meu pedido contemplei a rotina dos
passantes. A xícara floral continha o líquido negro enigmático. Os desenhos
formados no café quente disseram muito mais sobre tudo isso.
Um comentário:
Afinal nem todas "comédias" românticas são estilo americanas. Elas continuam depois dos primeiros meses de convivência.
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